sábado, 7 de agosto de 2010

Milton Nascimento, poesia recheada de teologia

Thiago Azevedo

Fiquei completamente extasiado ao passar um tempo ouvindo as músicas do Milton, com a mente aberta a descobrir uma mística mais profunda imersa em suas músicas e comecei a observar que na discografia deste grande compositor, um mundo de poesia que é carregada pela teologia, não esta que conhecemos, institucionalizada, cheia de rótulos e rotulações, entretanto, uma teologia livre, que pensa o sagrado amalgamado com seu tempo, com as problemáticas de seu cotidiano.

Sem querer transformar Milton em pastor, padre ou mesmo em teólogo, coisa que ele mesmo rejeitaria, nem mesmo tê-lo como um evangélico ou qualquer rótulo religioso, prefiro pensar como ele mesmo diz em Coração Civil, que teólogos, assim como poetas, são livres para sonhar e construir realidades a partir de sonhos, sonhos estes que veem um mundo alegre e vivo, sem poderes, sem polícias (entendam polícia como repressões), sem nada que nos impeça de sermos felizes.

Ou mesmo imaginar que este sagrado é marcado pela caminhada constante que fazemos em busca de nós mesmos, sonhando e nos deslumbrando com o mundo que vamos aprendendo a construir, com isso, percebemos que mais do que nunca precisamos sonhar mais e outra vez, criar novas utopias para se lutar e alcançar.


Hoje, com tudo mais prático e rápido, o homem vem se perdendo, não no sentido do inferno espiritual evangélico, porém, um espiritual que está dentro de nós, marcado por nossa superficialidade sem fim, este homem que se acha na beleza estética e estetificando suas relações, deixando de aprender mais de si mesmo, para poder se contemplar mais no espelho e permanecemos nesta angustiante Travessia que tem sido a vida.

Quem se deixa enlevar por suas letras, sente uma profunda dor, causada por uma ausência, uma saudade, não sabe bem de quê, mas ao se ver preenchida, sente suas perguntas contempladas e ao mesmo tempo em que essa angustia é profunda, nos convida a viver uma piedade marcada na convivência e comunhão com o outro. É o que vemos no grito de Comunhão:
“A vida é boa te digo eu
A mãe ensina que ela é sábia
O mal não faço, eu quero o bem
A nossa casa reflete comunhão”
Este mesmo grito que fala da bem união, ou comunhão, pede e clama ao divino, respostas às indagações que nossos corações insistem em fazer, por nossa falta de fé nas pessoas, por nossa falta de senso de justiça, por nosso egoísmo, por nossa ambição e ganância, por nossa cegueira, não a da existência do sagrado, mas a de perceber o sagrado dentro de nós e no outro, no nu, no pobre, no indigente, no traficante, no doente, no homossexual, no heterossexual, na prostituta, no empresário, ou seja em todos que estão pelo caminho, buscando todos os dias caçar a si mesmo e tentando se entender neste complexo mundo que criamos.

Como diz Durkhein, tudo que existe e insiste acontecer, não é por acaso, mas é a forma do próprio mundo dizer que necessita encontrar sentido e se proclamar sua própria liberdade e a construção de novas utopias para poder reencontrar consigo e com os homens.
“Eu quero paz eu não quero guerra
Quero fartura, eu não quero fome
Quero justiça, não quero ódio
Quero a casa de bom tijolo
Quero a rua de gente boa
Quero a chuva na minha roça
Quero o sol na minha cabeça
Quero a vida, não quero a morte não

Quero o sonho, a fantasia
Quero o amor, e a poesia
Quero cantar, quero companhia
Eu quero sempre a utopia
O homem tem de ser comunhão
A vida tem de ser comunhão
O mundo tem de ser comunhão
A alegria do vinho e o pão
O pão e o vinho enfim repartidos”
Neste mundo de dúvidas e ao mesmo tempo em que busca suas respostas para satisfazer suas necessidades existenciais, busca em muitos caminhos, que vão da espiritualização das necessidades à racionalização dos problemas, entretanto, mesmo diante de todas as possibilidades, o homem ainda caminha rumo à sua auto-destruição, justamente porque perdeu seu rumo, seu sentido e carece reencontrar seu caminho, reconstruir suas utopias, seus sonhos. E vemos que nem a teologia institucionalizada, marcada por rotulações eclesiásticas, nem mesmo as paixões políticas conseguem direcionar este caminho, porém, vemos que a poesia revestida de teologia consegue nos mostrar algum caminho.

Não é à toa que muitos abandonaram suas leituras sacras do livro sagrado, para reencontrarem em re-significações de suas perspectivas sobre este Deus que tanto se canta nos templos, não é por menos que os Salmos espelham esse amalgama entre poesia e teologia e o sermão da montanha, como resumo de todo um compêndio de fé e salvação para os homens, tem o seu quê poético, talvez Jesus, antes de Milton, já cantava canções como Coração Civil que proclama a liberdade da fé e da utopia.
“Viva a preguiça viva a malícia que só a gente é que sabe ter
Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida
Eu viver bem melhor
Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar”
Ora, Jesus não era chamado de beberrão e fanfarrão, que andava em festas em companhia de ladrões e prostitutas? Não eram os religiosos de seu tempo, seus maiores inimigos? Então, devemos buscar novamente esta vida de subversão e ir ao encontro com a re-significação de nossas utopias.

Enquanto isso vocês podem me encontrar por aí, nos Bailes da Vida...

Paz e bem

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