quinta-feira, 12 de agosto de 2010

RELAÇÕES DE GÊNERO E CULTURA RELIGIOSA: UM ESTUDO COMPARADO SOBRE A ATUAÇÃO FEMININA NA IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL E ASSEMBLÉIA DE DEUS

André Dioney Fonseca
Mestrando em História (PPGH/UFGD).
Bolsista, CAPES.
Grupo de Pesquisa em História Religiosa e das Religiões (CNPq).
e-mail: andredioney@yahoo.com.br

Marcilene Nascimento de Farias
Mestranda em História (PPGH/UFGD).
Bolsista,CAPES.
Grupo de Estudos em Gênero, História e Interculturalidade (CNPq).
e-mail: marcilenefn@yahoo.com.br


Resumo: Nas últimas décadas, a sociedade passou por importantes mudanças sociais, econômicas e políticas, que levaram à contestação dos tradicionais papéis atribuídos aos homens e às mulheres. Nesse sentido, o campo religioso também sofreu o impacto dessas transformações, principalmente com a difusão das idéias feministas que incidiram diretamente sobre as relações de gênero. Com base nessas considerações, nesse estudo analisamos a atuação feminina em duas importantes instituições evangélicas: a Igreja Evangélica Luterana do Brasil e a Igreja Assembléia de Deus. A primeira ligada ao chamado protestantismo histórico e a segunda ao ramo pentecostal. Por meio de um estudo comparativo, objetiva-se demonstrar quais foram os desafios enfrentados pelas mulheres luteranas e assembleianas, congregadas em instituições que tinham em comum a tradição reformada, mas que eram imensamente distintas em suas práticas religiosas.

Palavras-Chave: Pentecostais, Protestante, Relações de Gênero

Abstract: In the last decades, society has gone trough important social, economical and political changes, that have led to the contestation of the traditional roles attributed to men and women. So, the religious field also has suffered the impact of those changes, mainly with the diffusion of feminist ideas that had happened directly on gender relations. Based on these considerations, in this research we analyze the female acting at two important evangelical institutions: Evangelical Lutheran Church of Brazil and Assembly of God Church. The first one is related to the called historic Protestantism and the second one to the Pentecostal sphere. By a comparative study, it is intended to demonstrate which were the challenges faced by lutheran and assembly women, congregated in institutions that had in common the reformed tradition, but that were immensely distinct in their religious practices.
Keywords: Pentecostal, Protestant, Gender Relations

Introdução

Nas últimas décadas, a sociedade passou por importantes mudanças sociais, econômicas e políticas, que levaram à contestação dos tradicionais papéis atribuídos aos homens e às mulheres e o campo religioso também sofreu o impacto dessas transformações, principalmente com a difusão das idéias feministas que incidiram diretamente sobre as relações de gênero (Rosado-Nunes, 2001). Conforme Lucila Scavone (2008) o contexto de desenvolvimento dos movimentos feministas abriu caminhos para que em todos os campos do social, as questões de gênero fossem difundidas e “o campo religioso, em seu aspecto institucional, tradicionalmente antifeminista, não ficou imune aos efeitos sociais e culturais das idéias feministas contemporâneas” (Scavone, 2008: 07).
Nessa conjuntura, o feminismo pós-60, buscou entender a ligação da mulher com os fenômenos religiosos, a fim de construir uma crítica às injunções da igreja à vida das mulheres. Todas as inquietações que permeavam essa relação, aparentemente paradoxal entre a mulher e a religião, levavam a um questionamento central: por que as mulheres buscavam a religião, se a religião ratificava-lhes um lugar de subalternidade na sociedade? (Scavone, 2008: 01). A resposta a uma questão de tamanha complexidade não poderia ser alcançada simplesmente no plano da especulação e por sua emergência o tema não demorou a alcançar o meio acadêmico. Dentre os estudiosos que buscaram contribuir com esse debate destaca-se Michelle Perrot para quem os vínculos entre mulheres e religião, são antigos, poderosos e ambivalentes, uma relação que mesclava sujeição e liberação, opressão e poder de maneira quase indissolúvel (Perrot, 2005: 270).
Conforme Perrot (2007), a relação das mulheres com a religião é paradoxal, ao passo que as religiões representam, ao mesmo tempo, poder sobre as mulheres e poder das mulheres. Exerce “poder sobre as mulheres”, por ter na diferença entre os sexos um de seus fundamentos, como é comum entre as grandes religiões monoteístas. No entanto, a religião torna-se “poder das mulheres”, quando estas conseguem transformar a posição de submissão que a religião lhes reserva, na base de um “contra-poder” e de uma “sociabilidade”. Dessa maneira, a religião ainda que reforce a submissão das mulheres apresenta-se como um abrigo às suas misérias (Perrot, 2007: 83).
Na perspectiva de Pierre Bourdieu (1999), o trabalho de “diferenciação” a que homens e mulheres estão submetidos foi até época recente, garantido por três instâncias principais: a Família, a Igreja e a Escola. A Igreja é marcada pelo antifeminismo profundo de um clero pronto a condenar todas as faltas femininas à decência, sobretudo em matéria de trajes, reproduzindo, assim, uma visão pessimista das mulheres e da feminilidade, através de uma moral familiarista, dominada por valores patriarcais e, principalmente, pelo dogma da inata inferioridade das mulheres (Bourdieu, 1999: 103).
Desse modo, a relação entre mulheres e religião se torna complexa, pois as práticas religiosas ao mesmo tempo em que oferecem às mulheres repostas imediatas aos seus problemas familiares e pessoais, também reafirmam o lugar tradicional das mulheres na sociedade, de acordo com sua doutrina patriarcal e androcêntrica (Scavone, 2008: 06).
Segundo Rosado-Nunes, historicamente, os homens dominam a produção do que é “sagrado” nas diversas sociedades e os discursos e práticas religiosas trazem a marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. Enquanto isso, as mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas. Para a autora, o investimento da população feminina nas religiões dá-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da memória do grupo religioso. Sendo assim, um dos principais objetivos dos estudos de gênero é desconstruir o preconceito de que a biologia determina o feminino, enquanto que, por outro lado, a cultura ou a dimensão humana seria uma criação masculina (Rosado-Nunes, 2005: 363).
Na perspectiva de Rosado Nunes, na tentativa de desconstruir o determinismo biológico, o pensamento feminista encontrou na religião um de seus principais adversários, uma vez que as religiões trazem de maneira explícita ou implícita em sua prática institucional e histórica, uma visão antropológica que estabelece e delimita os papéis masculinos e femininos. O fundamento dessa visão, segundo a autora, encontra-se em uma ordem não humana, não histórica, e, portanto, imutável e indiscutível, tomando a forma de dogmas. Reflexos das sociedades nas quais emergiram, as religiões espelham sua ordem de valores, que reproduzem em seu discurso, sob o manto da revelação divina. Por isso, o lugar reservado às mulheres, conforme essa autora, no discurso e na prática religiosa não foi, e freqüentemente ainda não é, dos mais felizes (Rosado-Nunes, 2005, p. 364).
Já Eliane Moura da Silva (2006) considera o poder das mulheres dentro das igrejas algo real e concreto. Para a autora, os ministérios femininos e as atividades congregacionais, ao mesmo tempo em que servem para segregar as mulheres, também desencadeiam formas alternativas de poder institucional, além de apoio emocional e material mútuo encontrados no espaço que a autora denomina de “comunidades de sexos”. Além disso, as mensagens religiosas desempenham uma função pragmática, por meio das conversões e da reforma dos papéis de gênero, melhoram o convívio dentro do núcleo familiar. Diante das constantes pressões sofridas em torno das diferentes funções e papéis sociais que devem desempenhar enquanto mães, esposas, trabalhadoras, donas de casa e cidadãs, muitas mulheres “optam” por envolver-se em comunidades religiosas tendo-as como fortes elementos de apoio (Silva, 2006: 22).
Ao estabelecer um diálogo entre gênero e religião Sandra Duarte de Souza (2006) observou que a ascensão pública das mulheres representa uma ameaça, principalmente, no caso das organizações religiosas, onde tem sido cada vez mais crescente a participação das mulheres nas esferas de poder institucional. Ao considerar o caso do “protestantismo histórico”, a autora verificou a presença feminina em lugares anteriormente ocupados somente por homens, como é o caso dos seminários e das faculdades de teologia, bem como a crescente participação feminina em postos antes exclusivamente masculinos, como a posição de bispas, pastoras, presbíteras e diaconisas. Para essa autora, tais mudanças, ainda que lentas, evidenciam um processo de ruptura com a concentração androcêntrica do poder na sociedade (Souza, 2006: 34).
Semelhante tendência foi observada por Maria das Dores Campos Machado (2005) para o caso dos pentecostais. Em análise das principais transformações ocorridas nos últimos 15 anos no sistema de gênero hegemônico no pentecostalismo, a autora demonstra que ocorreram inúmeras transformações nas representações e relações de gênero nesse grupo religioso, com avanços, principalmente, na esfera social, pois a mulher pentecostal ampliou sua participação tanto na igreja como nas atividades políticas por incentivo de suas instituições – ainda que tais atividades fossem, em parte, controladas pelos homens.
Conforme aponta Perrot (2005), o silêncio é o comum das mulheres, sendo conveniente à sua posição secundária e subordinada, um mandamento reiterado através dos séculos pelas religiões, pelos sistemas políticos e pelos manuais de comportamento. Exigi-se silêncio das mulheres na igreja ou no templo, maior ainda na sinagoga. Todavia, Perrot observa que as mulheres não respeitaram estas injunções, seus sussurros e seus murmúrios correm na casa, nos vilarejos, nas cidades, inflados por suspeitos e insidiosos rumores que flutuam nas margens da opinião. Para a autora, “os dominados podem sempre esquivar-se, desviar as proibições, preencher os vazios do poder, as lacunas da História. Imagina-se, sabe-se que as mulheres não deixaram de fazê-lo” (Perrot, 2005: 10).
Desse modo, metodologicamente esta pesquisa segue os estudos de gênero, mormente os trabalhos que nas últimas décadas buscaram entender a relação entre gênero e religião. Sandra Duarte de Souza considera que as questões envolvendo gênero e religião são ainda pouco discutidas e pouco admitidas, abordadas de forma muito acanhada. A autora assinala que a religião é uma construção sócio-cultural e que sua discussão envolve as transformações sociais, as relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia. Estudá-la requer a inserção “num complexo sistema de trocas simbólicas, de jogos de interesses, na dinâmica da oferta e da procura; é deparar-se com um sistema sócio-cultural permanentemente redesenhado que permanentemente redesenha as sociedades”. (Souza, 2006: 8). Deste modo, para Souza pensar as representações de gênero demanda pensar o papel da religião na construção social dos sexos (Souza, 2006: 9).
A definição de gênero utilizada neste estudo baseia-se na definição de Joan Scott, para quem o gênero “é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (Scott, 1996: 14). Para Scott, utilizar a categoria gênero em análises sociais significa rejeitar explicitamente as justificativas biológicas para as desigualdades nas relações sociais entre os sexos. A autora acredita ainda que através das relações de gênero as relações de poder, de dominação e de subordinação são construídas.
A partir dessas considerações, nesse estudo analisaremos a atuação feminina em duas importantes instituições evangélicas: a Igreja Evangélica Luterana do Brasil e a Igreja Assembléia de Deus. A primeira ligada ao chamado protestantismo histórico e a segunda ao ramo pentecostal . Por meio de um estudo comparativo, objetiva-se demonstrar quais foram os desafios enfrentados pelas mulheres luteranas e assembleianas, congregadas em instituições que tinham em comum a tradição reformada, mas que eram imensamente distintas em suas práticas religiosas.





Liga das Senhoras Luteranas do Brasil (LSLB): a atuação feminina na Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB)

As observações em torno da atuação feminina na Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), por meio da Liga de Senhoras Luteranas (LSLB), são de extrema importância para entendermos como se desenvolveu o trabalho feminino e as lutas das mulheres nessa instituição religiosa.
A primeira Liga de Mulheres da Igreja Luterana foi organizada na Igreja Luterana Sínodo de Missouri (LCMS) nos Estados Unidos, a Lutheran Women’s Missionary Leage (LWML), ao que se tem nota, esta foi de grande importância tanto para as obras de missão como para o serviço social da comunidade. Na Igreja Luterana do Brasil, também aos poucos foram sendo fundadas sociedades de senhoras e foi a partir da formação dessas sociedades que as mulheres luteranas decidiram verificar a possibilidade de formar uma Liga Nacional, o que veio a se concretizar alguns anos mais tarde (Warth, 1979: 208).
Foi a partir da formação dessas sociedades que as mulheres luteranas passaram a buscar a formação de uma Liga Nacional que congregassem estas sociedades já existentes em torno de um objetivo comum: auxiliar financeiramente a IELB e ao mesmo tempo promover a união das mulheres luteranas. Ottilie Mueller, a principal idealizadora da LSLB, em entrevista ao então Boletim Informativo da Liga de Senhoras Luteranas do Brasil em 1966, relatou que eram bem numerosas as sociedades de senhoras existentes na IELB antes da criação da LSLB, estas sociedades, segundo a entrevistada, eram muito ativas, porém trabalhavam no interesse de suas próprias comunidades. Para Ottilie Mueller, essas comunidades, caso se unissem e formassem uma Liga Nacional, poderiam colaborar de forma mais direta no trabalho da Igreja:

pensava eu que as senhoras do Brasil poderiam estender a esfera de suas atividades além dos limites de suas respectivas congregações; lembrada do trabalho da Liga Missionária de Senhoras da igreja-mãe, julgava eu que o Senhor também teria prazer num desenvolvimento maior do trabalho executado pelas irmãs no Brasil”.

Ottilie Mueller conhecia bem o que se passava na Igreja Luterana dos Estados Unidos. Norte-americana que era, veio para o Brasil, acompanhando seu esposo o pastor George Jhon Mueller, em 1936. O início das atividades do pastor Mueller no Brasil foi como professor no Seminário Concórdia, em Porto Alegre, ministrando aulas apenas em alemão, pois não sabia falar português. Após onze anos de atividades missionárias no Brasil, George e Ottilie Mueller, voltaram aos Estados Unidos para um período de férias. Enquanto esteve nos Estados Unidos Ottilie conheceu pessoalmente o importante trabalho desenvolvido pela Liga Missionária de Senhoras Luteranas (LWML), fato que aguçou mais ainda seu interesse em organizar uma Liga Nacional de Senhoras Luteranas no Brasil.
De volta a Porto Alegre em 1949, Ottilie Mueller resolveu seguir o exemplo das senhoras luteranas norte-americanas, mobilizando as mulheres luteranas brasileiras em torno da formação de uma Liga Nacional. Ottilie Mueller aproveitando a realização, em Porto Alegre, de uma Convenção Pastoral, em julho de 1956, convidou as esposas de pastores e professores que estariam presentes, além de outras lideranças femininas de Porto Alegre, para uma reunião, ocasião em que apresentaria a idéia de formar uma Liga Nacional. Assim, atendendo prontamente ao convite da senhora Mueller, 93 mulheres pertencentes a várias sociedades de Porto Alegre e uma representante do Estado de Santa Catarina, reuniram-se às 15 horas do dia 4 de julho de 1956, com o intuito de fundar uma liga feminina na IELB.
Como a participação na reunião foi majoritariamente de senhoras de Porto Alegre, a Liga fundada nesta ocasião fora considerada provisória, o que levou à convocação oficial de todas as sociedades de senhoras do Brasil para o 1º Congresso Nacional da LSLB, em Porto Alegre, no dia 16 de janeiro de 1957, quando de fato seria oficialmente criada a liga de senhoras luteranas do Brasil. Muitos detalhes sobre esse encontro estão descritos num documento que podemos considerar como a certidão de nascimento da Liga: a Ata do 1° Congresso Nacional de 1957, que se encontra salvaguardada no arquivo histórico da LSLB. Pelo que lemos nesse documento, o conclave realizou-se no Salão da Juventude do Seminário Concórdia de Porto Alegre, com a participação de 23 sociedades de senhoras, com uma presença total de 103 senhoras, vindas principalmente do Rio Grande do sul, mas também de Santa Catarina, São Paulo e Paraná.
Durante o Congresso discutiu-se e aprovou-se o projeto dos estatutos que deveriam reger a Liga e também foi feita uma eleição para definir a primeira diretoria geral da LSLB . Em contrapartida, foram eleitos três pastores que desempenhariam a função de conselheiros da Liga, demonstrando, assim, a vigilância masculina da IELB, nas atividades da LSLB.
Alguns dias após a realização do 1° Congresso Nacional da LSLB, teve início a 34ª Convenção Nacional da IELB. Aproveitando a oportunidade a LSLB, encaminhou à 34ª Convenção uma moção propondo o reconhecimento oficial da LSLB como uma organização auxiliar da IELB:

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A nova reforma protestante

por Ricardo Alexandre (Revista Época)

Rani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15 minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a conversa animada e íntima.

Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969, Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos, enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais experientes.

Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

sábado, 7 de agosto de 2010

Milton Nascimento, poesia recheada de teologia

Thiago Azevedo

Fiquei completamente extasiado ao passar um tempo ouvindo as músicas do Milton, com a mente aberta a descobrir uma mística mais profunda imersa em suas músicas e comecei a observar que na discografia deste grande compositor, um mundo de poesia que é carregada pela teologia, não esta que conhecemos, institucionalizada, cheia de rótulos e rotulações, entretanto, uma teologia livre, que pensa o sagrado amalgamado com seu tempo, com as problemáticas de seu cotidiano.

Sem querer transformar Milton em pastor, padre ou mesmo em teólogo, coisa que ele mesmo rejeitaria, nem mesmo tê-lo como um evangélico ou qualquer rótulo religioso, prefiro pensar como ele mesmo diz em Coração Civil, que teólogos, assim como poetas, são livres para sonhar e construir realidades a partir de sonhos, sonhos estes que veem um mundo alegre e vivo, sem poderes, sem polícias (entendam polícia como repressões), sem nada que nos impeça de sermos felizes.

Ou mesmo imaginar que este sagrado é marcado pela caminhada constante que fazemos em busca de nós mesmos, sonhando e nos deslumbrando com o mundo que vamos aprendendo a construir, com isso, percebemos que mais do que nunca precisamos sonhar mais e outra vez, criar novas utopias para se lutar e alcançar.


Hoje, com tudo mais prático e rápido, o homem vem se perdendo, não no sentido do inferno espiritual evangélico, porém, um espiritual que está dentro de nós, marcado por nossa superficialidade sem fim, este homem que se acha na beleza estética e estetificando suas relações, deixando de aprender mais de si mesmo, para poder se contemplar mais no espelho e permanecemos nesta angustiante Travessia que tem sido a vida.

Quem se deixa enlevar por suas letras, sente uma profunda dor, causada por uma ausência, uma saudade, não sabe bem de quê, mas ao se ver preenchida, sente suas perguntas contempladas e ao mesmo tempo em que essa angustia é profunda, nos convida a viver uma piedade marcada na convivência e comunhão com o outro. É o que vemos no grito de Comunhão:
“A vida é boa te digo eu
A mãe ensina que ela é sábia
O mal não faço, eu quero o bem
A nossa casa reflete comunhão”
Este mesmo grito que fala da bem união, ou comunhão, pede e clama ao divino, respostas às indagações que nossos corações insistem em fazer, por nossa falta de fé nas pessoas, por nossa falta de senso de justiça, por nosso egoísmo, por nossa ambição e ganância, por nossa cegueira, não a da existência do sagrado, mas a de perceber o sagrado dentro de nós e no outro, no nu, no pobre, no indigente, no traficante, no doente, no homossexual, no heterossexual, na prostituta, no empresário, ou seja em todos que estão pelo caminho, buscando todos os dias caçar a si mesmo e tentando se entender neste complexo mundo que criamos.

Como diz Durkhein, tudo que existe e insiste acontecer, não é por acaso, mas é a forma do próprio mundo dizer que necessita encontrar sentido e se proclamar sua própria liberdade e a construção de novas utopias para poder reencontrar consigo e com os homens.
“Eu quero paz eu não quero guerra
Quero fartura, eu não quero fome
Quero justiça, não quero ódio
Quero a casa de bom tijolo
Quero a rua de gente boa
Quero a chuva na minha roça
Quero o sol na minha cabeça
Quero a vida, não quero a morte não

Quero o sonho, a fantasia
Quero o amor, e a poesia
Quero cantar, quero companhia
Eu quero sempre a utopia
O homem tem de ser comunhão
A vida tem de ser comunhão
O mundo tem de ser comunhão
A alegria do vinho e o pão
O pão e o vinho enfim repartidos”
Neste mundo de dúvidas e ao mesmo tempo em que busca suas respostas para satisfazer suas necessidades existenciais, busca em muitos caminhos, que vão da espiritualização das necessidades à racionalização dos problemas, entretanto, mesmo diante de todas as possibilidades, o homem ainda caminha rumo à sua auto-destruição, justamente porque perdeu seu rumo, seu sentido e carece reencontrar seu caminho, reconstruir suas utopias, seus sonhos. E vemos que nem a teologia institucionalizada, marcada por rotulações eclesiásticas, nem mesmo as paixões políticas conseguem direcionar este caminho, porém, vemos que a poesia revestida de teologia consegue nos mostrar algum caminho.

Não é à toa que muitos abandonaram suas leituras sacras do livro sagrado, para reencontrarem em re-significações de suas perspectivas sobre este Deus que tanto se canta nos templos, não é por menos que os Salmos espelham esse amalgama entre poesia e teologia e o sermão da montanha, como resumo de todo um compêndio de fé e salvação para os homens, tem o seu quê poético, talvez Jesus, antes de Milton, já cantava canções como Coração Civil que proclama a liberdade da fé e da utopia.
“Viva a preguiça viva a malícia que só a gente é que sabe ter
Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida
Eu viver bem melhor
Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar”
Ora, Jesus não era chamado de beberrão e fanfarrão, que andava em festas em companhia de ladrões e prostitutas? Não eram os religiosos de seu tempo, seus maiores inimigos? Então, devemos buscar novamente esta vida de subversão e ir ao encontro com a re-significação de nossas utopias.

Enquanto isso vocês podem me encontrar por aí, nos Bailes da Vida...

Paz e bem

sexta-feira, 5 de março de 2010

O que é Dialogia?

Dialogia é o ato de criar um ambiente de discussão e debate, para poder refletir principalmente sobre os aspectos das religiões. De forma acadêmica ou não, vários autores participarão deste ambiente para fomentar à reflexão teológica, social, psicológica, filosófica, ou em outros campos das ciências humanas para entender e desbravar caminhos para ampliar o diálogo dialógico, rumo a uma consciência mais tolerante e resgatar a imago Dei esquecida pelo discurso fundamentalista e fechado de Deus. Vale à pena se arriscar, você topa? Então vamos juntos nessa jornada dialógica das religiões.
 
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